16 anos da Lei Maria da Penha e a sua aplicabilidade nas relações de trabalho: será que avançamos?
Fernanda Perregil e Katielle Brito
No domingo, 7 de agosto, a Lei nº 11.340/2006, que objetiva assegurar a integridade física e psíquica da mulher contra atos de violência doméstica e familiar, completou 16 anos. Nomeada de “Lei Maria da Penha”, a lei trouxe consigo essencial providência cautelar a repercutir no âmbito das relações de trabalho.
Dentre as medidas estabelecidas, tem-se a hipótese do art. 9º, parágrafo 2º, inciso II, que prevê a manutenção do vínculo trabalhista, com a plena vigência e eficácia de todas as cláusulas proveitosas do contrato de trabalho, por um período de até seis meses.
O afastamento do emprego como medida protetiva vem sendo interpretado por alguns Tribunais como uma espécie de “incapacidade temporária” para o trabalho, possibilitando a concessão, por analogia extensiva, de benefício de auxílio-doença previdenciário à vítima.
Após referido marco histórico na legislação brasileira, muito tem se discutido acerca dos mecanismos capazes de efetivar o Estado Democrático de Direito das vítimas de violência doméstica e familiar. A Secretaria de Gestão do Ministério da Economia (Seges/ME), por exemplo, apresentou em março deste ano, proposta de minuta de Decreto acerca da exigência prevista na nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021), para fins de execução do objeto de contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituído por mulheres vítimas de violência doméstica, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) instituiu, por meio da Instrução Normativa nº 15/2022, um programa de cotas para mulheres em situação de vulnerabilidade econômica decorrente de violência doméstica e familiar nos contratos de serviços contínuos da corte. A cota corresponde a 4% do total de postos de trabalho em cada contrato com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
O Projeto de Lei nº 3.974/20, em tramitação perante a Câmara dos Deputados, prevê a criação do selo “Empresa parceira na luta ao enfrentamento à violência doméstica”, incentivando empresas a contratarem mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, podendo receber, em contrapartida, deduções de até 8% (oito porcento) ao ano no Imposto de Renda, por até cinco exercícios fiscais consecutivos.
Nas recentes transmutações ocorridas na legislação trabalhista advindas de um cenário pós-pandêmico, alguns projetos pretendem, inclusive, alterar as normas que regem o teletrabalho a fim de dar efetividade aos direitos previstos na Lei Maria da Penha, como é o caso do Projeto de Lei nº 5.581/20 e da Emenda nº 124/22 à Medida Provisória nº 1.108, que pretendem possibilitar que as vítimas de violência doméstica e familiar possam requerer a transferência para outro estabelecimento em caso de grupo econômico, ou, ainda, que possam executar suas atividades profissionais em regime de teletrabalho.
A ideia destes projetos de lei foi a de encontrar alternativas que mantenham a vítima protegida e distante do seu agressor, ao mesmo tempo que ela consiga prosseguir com sua vida profissional, já que o trabalho em regime de teletrabalho pode ser desempenhado de qualquer lugar, inclusive dentro das medidas protetivas que envolvem o afastamento da vítima do lar, conforme o artigo 23 da Lei nº 11.340/2006.
O tema é de suma relevância no âmbito das relações de trabalho, pois possuem o objetivo comum de romper a relação direta existente entre as agressões domésticas e a posição de dependência econômica do agressor, visto que, sem um trabalho formal, a vítima não reúne forças para ruptura do ciclo de violência.
Nota-se que, após dezesseis anos da promulgação da Lei Maria da Penha e apesar dos esforços que garantiram vozes e segurança às mulheres, a violência doméstica e familiar ainda persiste de forma em um sistema patriarcal nas esferas sociais, civis, políticas e econômicas.
Fernanda Perregil, sócia da área trabalhista e head de ESG da Innocenti Advogados
Katielle Brito, advogada da área trabalhista da Innocenti Advogados
Artigo publicado no Estadão