A LGPD e as eleições: um olhar sobre o financiamento coletivo de campanha
Financiamento coletivo, também conhecido como crowdfunding, consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo por meio da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral de pessoas físicas interessadas na iniciativa.
O termo está relacionado a ações que ocorrem na internet com a finalidade de arrecadar fundos para causas específicas e, depois da reforma eleitoral de 2017, essa modalidade passou a ser permitida também para as campanhas políticas.
O Tribunal Superior Eleitoral regularizou a prática do crowfunding nas eleições, credenciando e autorizando entidades e sites para a arrecadação de fundos para patrocínio de candidaturas.
Considerando que os pagamentos serão realizados totalmente online e que as doações somente poderão ser realizadas por pessoas físicas, devendo constar no registro da doação uma série de dados pessoais do doador e do candidato, acende-se o sinal amarelo para a necessidade de adequação da entidade colaborativa, do responsável pelo recebimento da doação e do repasse ao candidato à LGPD — Lei Geral de Proteção de Dados — Lei nº 13.709/2018.
Com efeito, entre as diversas exigências para a operacionalização da doação estão a obrigatoriedade da identificação do doador, com nome completo, número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, valor da quantia doada, forma de pagamento e data das respectivas doações, em caso de pluralidade e disponibilização em sítio eletrônico de lista com a identificação do doador e valor doado, endereço eletrônico e identificação da instituição arrecadadora.
Para cada doação realizada, a entidade deverá, ainda, emitir recibo contendo todas as informações relativas à doação, o qual será enviado para a Justiça Eleitoral e para o próprio candidato.
Tendo em vista que muitas das entidades colaborativas são startups ou mesmo empresas menores constituídas para esse fim específico, a pergunta que se faz é: como fica a prestação de contas por parte da entidade de arrecadação com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)? Como manter neste novo cenário a conformidade dos dados referentes às doações recebidas pelas entidades intermediadoras? Como conciliar a indispensável transparência das contas eleitorais com a LGPD?
Desde o último mês de setembro, a LGPD passou a produzir seus efeitos, aplicando-se a qualquer pessoa física ou jurídica, de Direito público ou privado, com ou sem fins lucrativos, que solicite, tenha acesso, armazene e pratique tratamento de dados de pessoa natural (física), compreendendo desde o simples acesso aos dados de funcionários, fornecedores e consumidores, até o armazenamento, transferência, classificação, eliminação ou manipulação desses dados, inclusive nos meios digitais.
Portanto, como se percebe, também as empresas colaborativas, que intermediarão o recebimento das doações aos candidatos durante o período de campanha e que receberão dados pessoais dos doadores, necessitarão se adequar às normativas impostas pela LGPD.
Muito embora nestas eleições municipais as sanções administrativas para as empresas que descumprirem as regras previstas na LGPD ainda não serão aplicadas, porquanto essas sanções foram adiadas para agosto de 2021, a adequação no que diz respeito à governança de dados deverá ocorrer o quanto antes, considerando as inúmeras providências a serem adotadas e, até mesmo, a necessidade de envio de consulta ao TSE para esclarecimento acerca da compatibilização da atual transparência exigida para as doações às campanhas políticas e a obrigatoriedade de tratamento de dados pessoais.
Vale lembrar que, cada vez mais, investidores levam em conta critérios de sustentabilidade — ESG — Environmental, Social and Governance (ambiental, social e de governança, em português).
O chamado índice ESG foi criado como uma métrica para avaliar o desempenho das empresas, pois estabelece um recorte no mercado de ações com empresas comprometidas com boas práticas nessas questões.
Assim, certamente aquelas empresas atuantes na captação de recursos para as eleições que iniciarem mais cedo a adequação do tratamento de dados e ficarem em conformidade com a LGPD serão vistas pelo mercado como empresas conectadas com suas responsabilidades corporativas neste e nos próximos pleitos.
Fernanda Mendonça dos Santos Figueiredo é coordenadora do escritório Innocenti Advogados em Brasília (DF) e mestre em Direito Constitucional.