Folga no Carnaval é direito adquirido, e empresa não pode exigir trabalho?
Com a pandemia, algumas empresas que costumam dar folga a seus funcionários durante o Carnaval estão optando por manter o expediente normal neste ano.
Juristas e especialistas em direito trabalhista divergem, porém, se isso é permitido ou não, porque a folga pode ser entendida como um benefício adquirido pelo trabalhador, e retirá-la seria uma mudança prejudicial a ele, indo contra a lei.
Carnaval não é feriado nacional
O Carnaval não é um feriado nacional. Ele só é feriado em algumas cidades e estados, como o Rio de Janeiro, por exemplo.
Nos locais onde não é, como na capital paulista, as empresas podem dar as folgas nos dias de comemoração, mas isso não é obrigatório, apenas uma prática comum.
Por que pode ser ilegal cortar a folga?
Para alguns especialistas, a folga costumeiramente dada pela empresa em lugares onde não há feriado oficial pode ser entendida como uma vantagem adquirida pelos funcionários, já consagrada, e cortá-la poderia ir contra a lei, mesmo com festas de rua e eventos suspensos.
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) estabelece que a condição mais benéfica ao trabalhador deve ser mantida, e o contrato de trabalho não pode ser alterado de maneira que prejudique o funcionário.
Nesse caso, o contrato não precisa ser literal, por escrito. Acordos verbais ou regras consagradas na rotina da empresa também entram nisso.
Não dar a folga de Carnaval neste ano, portanto, poderia ir contra isso. Segundo essa visão, a empresa poderia ser condenada na Justiça, por exemplo, a pagar ao empregado o salário em dobro naqueles dias, como se ele tivesse trabalhado em um feriado, dependendo da interpretação do juiz.
Tradição não pode ser quebrada, diz professor
O advogado Nelson Mannrich, professor titular de direito do trabalho da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) acredita que a folga, nesses casos, deve ser mantida.
“Isso [exigir o trabalho] quebraria uma tradição. Quebraria aquela vantagem que a empresa concedeu aos empregados, que ela não poderia mais retirar agora”, afirma.
“Do ponto de vista jurídico, eu entendo que a empresa deveria respeitar aquela condição mais benéfica que foi introduzida no contrato de trabalho pelo costume. O costume é uma das fontes do direito do trabalho”, Nelson Mannrich, professor de Direito da USP
Ele recomenda que as empresas mantenham o que aplicaram em anos anteriores. Se deu folga na segunda, terça e meio período da quarta-feira, por exemplo, faça o mesmo neste ano. Se foi apenas na terça, idem.
O advogado trabalhista Luís Paulo Miguel, do escritório BRBA, também entende que a folga de Carnaval pode ser interpretada pela Justiça como uma vantagem adquirida com o tempo, que não pode ser anulada.
“Se a folga no Carnaval for uma prática reiterada, [a empresa] fez em 2019, 2020, isso eventualmente pode ser aderido ao contrato de trabalho do empregado, porque é benéfico a ele”, afirma.
Advogados dizem que não é direito adquirido
Essa interpretação sobre a folga de Carnaval, porém, não é consenso no meio jurídico.
Para o advogado Horácio Conde, presidente da AATSP (Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo), a folga não pode ser considerada um direito adquirido.
“Embora o empregador possa ter concedido folga nos anos anteriores, ele não está obrigado a, neste, concedê-la. Tais concessões pontuais não têm o condão de alterar o contrato de trabalho, ou de se configurarem, tecnicamente, como um direito adquirido”, Horácio Conde, presidente da AATSP.
Ele afirma que isso seria claro apenas em casos que a convenção ou acordo coletivo da categoria estabeleçam a folga de Carnaval como um direito do trabalhador, ou quando o próprio contrato de trabalho garanta esses dias como de descanso.
A advogada Fernanda Perregil, do Innocenti Advogados, também considera que manter o expediente nesses dias não é uma mudança no contrato prejudicial ao trabalhador e que, neste ano, por causa da pandemia, há justificativa para isso.
“É importante lembrar que a mudança do feriado de Carnaval se deve a uma crise pandêmica, que envolve um interesse coletivo e a proteção de um bem jurídico maior, que é a vida”, Fernanda Perregil advogada trabalhista
Folga pode ser dada em outra data, diz juiz
O juiz do Trabalho João Renda Leal Fernandes também vê a pandemia como um fator que justificaria o expediente normal.
“Particularmente entendo que essas folgas são concedidas em virtude da existência de um período festivo, uma condição implícita não verificada neste momento excepcional de pandemia e recomendações explícitas de distanciamento social pelas autoridades sanitárias”, afirma.
Ele diz, porém, que é possível a interpretação de que a folga é uma alteração do contrato prejudicial ao empregado, e sugere que a empresa que deseja manter o expediente faça um acordo para que ela seja dada em outro momento.
“O ideal, portanto, seria que empregadores e sindicatos, ou empregados, pactuassem essa alteração contratual, por exemplo, remanejando essa folga para outro período, de acordo com a conveniência das partes –evitando prejuízo ao empregado”, João Renda Leal Fernandes, juiz do Trabalho.
Fonte: UOL