Investimentos em precatórios são afetados por possível limitação de pagamento
Governo federal quer estabelecer um teto de pagamento desses papéis para esticar o orçamento já apertado
O mercado financeiro de um modo geral não vem tolerando bem a possibilidade de furo do teto de gastos no orçamento público brasileiro. A bolsa, por exemplo, já vive seu pior momento desde março, quando despencou no início da quarentena. Mas até investimentos alternativos, como em precatórios, já começam a ser afetados por todo o imbróglio.
Num dos últimos (e barulhentos) capítulos dessa novela, de esticar o orçamento, o governo ventilou que o programa de assistência Renda Cidadã seria financiado por dinheiro inicialmente destinado a precatórios e com recurso previsto para a educação.
Investir em precatórios não é novidade. Esses títulos surgem quando a União, estados e municípios perdem alguma causa na Justiça e isso gera uma dívida. Como existe uma certa demora para que ela seja paga pelo poder público, há um mercado secundário que compra e vende esses os precatórios, adiantando o pagamento para quem precisa receber em troca de um desconto no valor total.
O investidor que compra o precatório ganha não só com a correção monetária e juros de mora. Há também a diferença do valor da compra, geralmente com desconto, e do valor recebido quando, eventualmente, a dívida for paga.
A proposta do governo é de limitar o pagamento de precatórios a até 2% da Receita Corrente Líquida. O restante do dinheiro que estava previsto para isso seria redirecionado para o programa social.
Acontece que, para quem investe, isso gera um atraso e aumenta o risco do investimento. Assim sendo, houve uma queda na busca por esse tipo de investimento. O fruto disso é a insegurança que o governo gera ao cogitar um calote.
Marco Antonio Innocenti, presidente da Comissão de Precatórios do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e sócio-diretor da Innocenti Advogados, lembra que nos últimos 20 anos, esses investimentos foram interessantes porque a União não atrasava os pagamentos.
Estavam todos em dia. Mas com a mudança, em vez de pagar R$ 55 bilhões em precatórios ano que vem, a União só poderia pagar até R$ 16 bilhões. Muito menos que a metade da dívida. Isso se tornaria um bolo de neve em dívidas para o exercício seguinte.
“Prejudica muito não só o mercado, mas o credor, que pode numa operação no mercado secundário antecipar o recebimento do crédito. Antes era um risco pequeno de inadimplência. Mas agora esse risco ficou mais evidente. Claro que vai ser ‘precificado’ nas negociações que acontecem daqui pra frente”, afirma.
Segundo Innocenti, os precatórios federais eram os mais valorizados entre quem negociava, com os menores descontos, por oferecerem menos risco e terem pagamento quase certo.
Contudo, se as regras mudarem, a tendência é um desaquecimento no mercado secundário. Os precatórios federais devem se desvalorizar porque, sem previsão de data de pagamento, eles passam a oferecer risco muito maior ao investidor.
A Hurst Capital, plataforma que intermedia investimento em precatórios, deu uma pausa na busca por esse tipo de ativo desde o início da pandemia. E os acontecimentos mais recentes deixaram tudo ainda mais morno e incerto. Isso porque em tempos de crise, os precatórios são alvo recorrente na tentativa de passar do teto orçamentário. Bem ao estilo: “Devo, não nego. Pago quando puder”.
“Desde o começo da pandemia temos sido mais cautelosos na aquisição dos precatórios de uma maneira geral. Porque é uma montanha russa de informações. Já teve município e governo tentando postergar, dar o calote, indo para a Justiça”, afirma o presidente da Hurst, Arthur Farache.
O executivo conta que a medida do governo é péssima para os negócios. Não só de precatórios, mas para o país, que vai trocar dívidas que poderiam ser mais baratas por dívidas caras, já que os juros de mora e correção monetária dos precatórios tornam mais caro deixar de pagá-los.
“Precatório é uma fonte cara de financiamento. Não parece ser o caminho melhor. Vai aumentar o custo da dívida com certeza. Espero que essa medida seja cancelada, não vá para frente”, diz Farache.
Ele afirma ainda que a proposta não deixa claro como serão escolhidos os precatórios a serem pagos dentro do orçamento e os que ficarão para depois. Ainda não foram determinados os critérios.
A que pé anda?
O Ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou se descolar da ideia de que os precatórios iriam financiar o programa Renda Cidadã, depois das inúmeras críticas de juristas, entidades e nomes do mercado financeiro.
Segundo Innocenti, as chances de a proposta ser aprovada são quase nulas. Para o advogado, dificilmente o Congresso aprovaria essa medida.
“O Congresso vem tratando de forma muito responsável do tema dos precatórios desde 2016. Acho muito difícil passar. Além disso, se passar já chega ‘natimorta’, porque ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já deram a entender que é inconstitucional. É uma medida estúpida do ponto de vista econômico e inviável no ponto de vista jurídico”, diz o especialista.
Para Farache, esse burburinho e falta de definição é muito ruim para os negócios. O importante, defende ele, é que o investidor mantenha a calma até que haja decisões concretas sobre a situação.
“De maneira geral, enquanto a gente fica nesse vai e não vai é péssimo para os negócios porque cria uma sensação de insegurança absurda”, afirma.
Fonte: Valor Investe