Julgamento do STF reabre discussão trabalhista em momento inoportuno
A pauta do Supremo Tribunal Federal prevê para o fim do mês de março um julgamento que pode significar uma pá de cal na recuperação econômica do setor empresarial, num momento em que diversas empresas e trabalhadores sofrem os efeitos financeiros da pandemia.
Passados mais de 20 anos, os ministros devem terminar de julgar um caso que, na prática, definirá se os empregadores serão obrigados ou não a justificar toda e qualquer demissão e a necessidade de comunicar previamente as entidades sobre a justificativa de rescisão dos contratos de trabalho, além de possíveis questionamentos na Justiça do Trabalho sobre as dispensas imotivadas.
Uma decisão favorável do Supremo pode gerar como consequência a dificuldade para as empresas de demitir, ou até mesmo o aumento dos litígios trabalhistas, que diminuíram significativamente nos últimos anos com a reforma de 2017.
Ao fazermos uma retrospectiva histórica, essa discussão teve início quando o Brasil ratificou, em 5 janeiro de 1995, a Convenção 158 da (Organização Mundial do Trabalho (OIT), que versa sobre o “término da relação de trabalho por iniciativa do empregador”.
A controvérsia em torno deste tratado internacional se dá no artigo 4º, o qual afirma não haver o término da relação de trabalho “a menos que exista uma causa justificada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”. Ou seja, o trabalhador pode ser demitido, mas sempre com alguma justificativa. Atualmente é direito potestativo do empregador promover a dispensa imotivada de seus empregados, sem que tenha que apresentar qualquer justificativa.
Em 20 de novembro de 1996, ao notar consequências da efetivação desse tratado, o governo Fernando Henrique Cardoso denunciou esse tratado internacional e determinou o fim de sua vigência por meio do Decreto nº 2.100/1996. Assim, a convenção foi denunciada pelo presidente da República à época, sem a manifestação do Congresso Nacional, aparentemente contrariando o artigo 49, I, da CF, ao prever que o Congresso deteria competência exclusiva sobre tratados, acordos ou atos internacionais capazes de acarretar encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Após longos anos de tramitação, o julgamento da ADI-1625 será retomado nesta quarta-feira (17/3) e irá decidir sobre a inconstitucionalidade ou não do decreto que retirou a vigência da convenção. A denúncia de tratados internacionais é marcada por forte divergência doutrinária e juristas importantes a condicionam ao referendo do Congresso Nacional — outros afirmam que a prerrogativa presidencial já existe há quase um século.
Deve-se lembrar, no entanto, que a corte já havia iniciado a votação da questão, tendo passado por diversos pedidos de vista e alguns votos ao longo desses anos. Em 3/8/2020, o ministro Dias Toffoli devolveu os autos para a continuidade do julgamento.
Nesse contexto, é importante lembrar que o inciso I do artigo 7º da Constituição Federal protege a relação de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, fazendo menção à necessidade de regulamentação por lei complementar, contudo, até o momento essa lei não foi editada.
Por fim, vivemos em um momento delicado no cenário econômico, principalmente para os empresários que tentam superar os efeitos da pandemia da Covid-19. Dessa forma, a retomada do julgamento de um tema tão delicado como a Convenção 158 da OIT parece inoportuna para o momento econômico do país, inclusive envolvendo as relações de trabalho diretamente afetadas pela pandemia, por isso é importante avaliar se essa questão não poderia ser enfrentada em um momento em que as perdas não fossem tão nefastas.
Fonte: Conjur
Autora: Fernanda Perregil, sócia da área Trabalhista Sindical e Remuneração de Executivos