Lei de Acesso à Informação e seu conflito com a LGPD
José Jerônimo Nogueira de Lima, advogado da área de Direito Administrativo
A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) foi editada com a finalidade de garantir o direito fundamental de acesso à informação, no entanto, a lei não apresentou uma distinção criteriosa acerca de quais dados pessoais de posse da Administração estariam especialmente abrangidos pela regra da transparência, circunstância que tem relevado interpretações diversas pelos mais variados órgãos administrativos diante da edição da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2019).
A controvérsia que já está sendo verificada junto aos mais diversos órgãos públicos diz respeito à conjugação de ambos os diplomas legais, pois a lei de acesso à informação impõe a transparência como regra (art. 3º, I), excepcionando o sigilo em relação aos dados pessoais que, por sua vez, pode ser contornado pelo consentimento do titular (art. 31, § 1º, II) ou nas situações previstas no artigo 31, § 3º que, dentre outras hipóteses, prevê a possibilidade de divulgação de informação pessoal para a “proteção do interesse público e geral e preponderante”.
Ocorre que a LGPD não possui disposição semelhante no que respeita a divulgação de dado pessoal pela Administração, mas apenas e tão somente as hipóteses em que o tratamento e o compartilhamento de dados pessoais pela Administração dispensam o consentimento do seu titular (artigo 7, IIIº e 11, II, c), de tal forma que a mencionada lei não viabiliza a ampla divulgação de dado pessoal sob o fundamento da existência de interesse público em sua exposição.
A questão já está levantando discussões dentro dos mais diversos órgãos da Administração Pública acerca do premente conflito entre as normas, onde estarão em jogo ambos os interesses constitucionais de acesso à informação e o direito a intimidade, com os limites ponderativos para otimização de ambos os postulados, como é o caso dos dados cadastrais.
Os dados cadastrais, por exemplo, à luz do artigo 5, I da LGPD são dados pessoais, no entanto, haverá situações em que o interesse público determinará a possibilidade de divulgação sem o consentimento do seu titular, nos termos do artigo 31, § 3º da Lei de Acesso à Informação, como na hipótese de identificação de quem integra a Administração ou com ela celebra negócios, é inegável o controle social por meio de acesso à informação, no entanto, surgirá discussões acerca de quais informações dos dados cadastrais são de interesse público ou de caráter eminentemente privado, por exemplo, os dados relativos à residência dessas pessoas constitui um espaço de privacidade que não pode ser exposto sem autorização do titular, por não constituir, a priori, uma informação de interesse geral.
Assim, a Lei de Acesso à Informação representou um inegável avanço na realização do direito de acesso à informação previsto no artigo inciso II do § 3º do art. 37 da CF, no entanto, o advento da LGPD com vistas a assegurar a proteção do direito à privacidade de estatura igualmente constitucional (artigo 5º, X da CF), vai determinar uma remodelação necessária acerca das informações pessoais de posse da Administração, cuja restrição de acesso é necessária para assegurar um espaço de privacidade onde não incide qualquer interesse público no seu controle social.
[1] MATOS, Ana Carla Harmatiuk; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Diálogos entre a Lei Geral de Proteção de Dados e a Lei de Acesso à Informação. In: TEPEDINO, Gustavo; FRAZÃO, Ana; SILVA, Milena Donato da (Org.). Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 209.