O dever do Estado de São Paulo em atender a Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
O ano de 1988 foi marcado pelo nascimento da Constituição Federal, carta que elencou direitos e atribuiu ao Estado a obrigação de garanti-los, estabelecendo, entre outros aspectos, a organização dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), as diretrizes para a organização e responsabilidade de entes federativos, bem como as diretrizes para criação de leis e instituição de Políticas Públicas com vedações a discriminações, ampliação de rol de direitos, garantia de direitos fundamentais, tais como saúde e educação, e o consequente amplo e democrático exercício da cidadania.
Assim, ao longo desses 30 anos, acompanhamos avanços e retrocessos, marcados pela luta por interesses, mudanças de perspectivas e ideais, modificações nas legislações, aprovações de novas leis, dificuldades de implementação de políticas, ausência de atuação dos entes federativos, entre outros aspectos, que dificultaram a concretização de direitos. Não raro, acompanhamos também a apresentação dessas matérias ao judiciário para que ele imponha ao Estado a obrigação de agir.
Entre as muitas pautas discutidas na luta por direitos, uma que merece bastante destaque é a da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
Interessante notar que, no âmbito nacional e estadual, as políticas de proteção para essas pessoas foram instituídas, respectivamente, em 2012 com a Lei 12.764/2012 e em 2019 com a Lei 17.158/2019, ou seja, muito tempo se passou desde a promulgação da Constituição Federal.
Diante da recente instituição dessas leis, não é difícil concluir que há, ainda, grande dificuldade em implementação das políticas públicas destinadas para esse grupo, principalmente no que diz respeito a crianças e adolescentes, que são ainda mais vulneráveis e estão em desenvolvimento.
No entanto, esse contexto fez com que o Ministério Público do Estado de São Paulo, com esses fundamentos, apresentasse a Ação Civil Pública nº 053.00.027139-2 em face do Estado de São Paulo, requerendo a condenação desse ente ao custeio integral do tratamento de autistas residentes em seu território, ante a necessidade de atendimento para essas pessoas, cumprimento do tratamento especializado indicado por médicos e a ausência de estrutura e atuação do ente público.
Após todos os trâmites processuais, o Ministério Público do Estado de São Paulo teve êxito em seus pedidos e, em linhas gerais, restou a condenação do Estado de São Paulo ao custeio do atendimento para a Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, devendo o interessado, por meio de seus representantes legais, fazer o requerimento perante a Secretaria da Saúde e apresentar laudo médico com a comprovação de que se inclui no quadro do Espectro Autista. Ainda, coube ao Estado garantir o atendimento mais próximo da residência do requerente, que também pode indicar instituição de sua preferência. O limite dessa condenação é a disponibilização de entidades públicas para atendimento.
Tem-se que a plenitude de direitos ainda é tarefa árdua e sinônimo de luta constante, que passa por profundas relações e estruturas sociais. Infelizmente, não há uma fórmula para a ampla concretização, mas reconhecer pautas e promover sua visibilidade pode garantir avanços.
Com essa decisão, restou exequível os direitos das pessoas portadoras do Espectro Autista perante o Estado de São Paulo, podendo serem pleiteados perante os respectivos órgãos públicos ou também serem apresentados ao judiciário por meio de ação específica.