Os riscos associados às viagens corporativas em tempos de pandemia
Por Renato Pereira Ribeiro
Comentários e recomendações, sob a ótica jurídica trabalhista, para a viabilização de viagens corporativas internacionais, face à flexibilização das restrições sanitárias e da reabertura de fronteiras internacionais a viajantes brasileiros.
Em um movimento nunca antes vivenciado, considerando o crescente percentual de grupos e pessoas que alcançaram a imunização completa contra a COVID-19 (conquista que atribuímos aos profissionais da saúde que movimentam o programa nacional de imunização), anúncios sobre a reabertura de fronteiras a viajantes brasileiros permeiam os noticiários quase diariamente.
Em que pese grande parte da efervescência associada ao tema decorra da excitação com o aquecimento do setor de turismo, dados obtidos por meio de uma recente pesquisa promovida pela GBTA (Associação Mundial de Viagens a Trabalho, em tradução livre) indicam que a maioria das empresas pretende retomar as viagens corporativas nacionais nos próximos meses, e que um percentual ligeiramente inferior considera a retomada de viagens internacionais já num futuro próximo.
Todavia, é sabido e comprovado que os passageiros de um veículo compartilhado – tal como um avião, ônibus, embarcação – estão mais suscetíveis a se contaminarem pela COVID-19, não sendo exagero algum assumir que viagens como um todo (sejam estas a trabalho, lazer, internacionais ou domésticas) têm o condão de expor o viajante ao risco em discussão.
Subsiste, então, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6.342, que declarou a suspensão da eficácia do artigo 29 da Medida Provisória nº 927/2020, tornando a COVID-19 passível de ser considerada como doença ocupacional, a depender da constatação do nexo causal entre a contração da moléstia e as atividades realizadas pelo trabalhador a mando do empregador, bem como se este último forneceu condições seguras para a execução das mesmas.
Importante destacar que a referida decisão proferida pelo STF não gerou qualquer presunção de que as contaminações pela COVID-19 teriam caráter ocupacional (ao contrário do que foi amplamente noticiado pelos veículos de comunicação à época do julgamento), de forma que a constatação da natureza ocupacional sempre prescindirá do competente exame das situações fáticas que cercam o caso concreto, como dito acima.
De toda forma, frisamos que uma rápida investigação retornou uma quantidade significativa de ações individuais discutindo a natureza da contaminação pela COVID-19, já havendo, inclusive, histórico de decisões condenatórias, sendo que numa delas foi reconhecido o direito de cônjuge e prole de empregado falecido por complicações da COVID-19 após contrair a doença durante viagem a trabalho ao recebimento de indenizações por danos materiais e morais .
De nossa parte, seguimos o entendimento já consolidado nas cortes superiores, o qual imputa ao empregador o dever de zelar pela saúde e integridade física de seus empregados, bem como de lhes garantir um ambiente de trabalho salutar e seguro, conforme redação dada ao item 1.4.1 da Norma Regulamentadora nº 1.
Assim, recomendamos que empresas e empregados se atentem aos riscos associados a qualquer viagem corporativa e que adotem uma postura mais ponderada e conservadora sobre o tema, realizando um legítimo e criterioso juízo de valor a fim de determinar a real necessidade de transferir o empregado para localidade diversa ou de requerer-lhe que viaje em nome do empregador.
Por fim, importante esclarecer que embora o empregado não possa, em regra, se recusar a realizar viagens a mando do empregador, tal recusa tem sido reputada lícita pelas cortes trabalhistas em casos em que há real perigo de contaminação/morte (por exemplo, viajar para localidade onde sabe-se haver elevados índices de contaminação ou insuficiência de leitos de internação), podendo o empregado, inclusive, requerer a rescisão indireta de seu contrato de trabalho, sob o fundamento delineado no item “c” do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho .
- Reclamação Trabalhista nº 0010605-52.2021.5.03.0101, movida por Denise da Penha Silva Oliveira e Outros em face de CMP Montagens Industriais Ltda.
- EMENTA RECURSO ORDINÁRIO AUTORAL. RESCISÃO INDIRETA. ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA. DANOS MORAIS. EXPOSIÇÃO DE EMPREGADO A PERIGO MANIFESTO DE MAL CONSIDERÁVEL. CONTÁGIO DE COVID-19. AUSÊNCIA DE ISOLAMENTO DE TRABALHADOR SINTOMÁTICO. FAZ JUS À ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA, À REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E AO RECONHECIMENTO DA RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO O EMPREGADO QUE ADQUIRIU COVID-19 DE TRABALHADOR SINTOMÁTICO DURANTE VIAGEM DE TRABALHO, SEM QUE O EMPREGADOR TENHA PROVIDENCIADO O IMEDIATO ISOLAMENTO DO INFECTADO, FAZENDO COM QUE O MESMO COMPARTILHASSE ALOJAMENTO E TRANSPORTE COM OUTROS MEMBROS DA EQUIPE, ATO PATRONAL QUE VEIO A CONTAMINAR TRÊS OUTROS FUNCIONÁRIOS, DENTRE ELES O RECLAMANTE. O GRAVE RISCO DE MORTE A QUE O AUTOR FOI SUBMETIDO FOI EVIDENTE E ENGENDROU SUA INCAPACIDADE LABORAL TEMPORÁRIA. HIPÓTESE FÁTICA PREVISTA NA ALÍNEA “C” DO ART. 483 DA CLT. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TRT-19 – RO: 00005226720205190003 0000522-67.2020.5.19.0003, Relator: Laerte Neves De Souza, Data de Publicação: 18/06/2021)