Participação das mulheres nas eleições: não ao retrocesso!
Por Fernanda Figueiredo e Victor Oliveira, advogados da Innocenti Advogados
A participação de mulheres na política voltou a ser assunto de grande visibilidade nos últimos tempos. Contudo, o motivo não está relacionado ao aumento de mulheres ocupando cargos eletivos, nem a expectativa de várias candidaturas no pleito que se aproxima, muito pelo contrário, consiste na tentativa de afastar o dever legal de preenchimento das vagas proporcionais, que garante participação mínima de um determinado gênero.
A Legislação que rege o pleito eleitoral, popularmente denominada como Lei das Eleições (Lei nº 9.504 de 1997), alterada pela Lei 12.034 de 2009, determina em seu parágrafo 3° do artigo 10 que “cada partido preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo”. Ou seja, qualquer partido político do Brasil não pode ter, por exemplo, 100% das candidaturas preenchidas apenas por homens ou mulheres.
Em apertada síntese histórica, a existência da cota de gênero em nossa legislação eleitoral é fruto do empenho realizado por congressistas e ativistas que participaram em 1995 da Conferência Internacional sobre a Mulher, sediada em Pequim. Ao regressarem, a então Deputada Marta Suplicy propôs a modificação da Lei Eleitoral, de forma a garantir a existência de cota mínima de participação que, apesar de ter sido inicialmente apresentada em 30%, foi fixada em 20%. Posteriormente, com a inserção sutil dos ideais feministas, rompimento de ideias patriarcais e muita articulação política realizada pelas deputadas, em 1998 o percentual mínimo foi elevado para 30%.
Contudo, a existência de problema no campo semântico prejudicou a aplicabilidade da “cota de gênero”, pois o emprego da palavra “reserva” deu à conotação não obrigatória a tal ferramenta, tornando-a, apenas, sugestiva. Com isso, mais uma vez foi realizada modificação na legislação, precisamente em 2009, alterando a palavra “reserva” pela palavra “preencherá”, o que modificou a interpretação do instituto, tornando obrigatório o respeito ao percentual mínimo.
Entretanto, apesar de todas as conquistas, está em trâmite perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.213 de 2020, cuja autoria é da Deputada Federal Carol de Toni (PSL/SC), o qual visa extinguir a reserva mínima de 30% das vagas para cada sexo, cujo impacto será sentido, principalmente e/ou exclusivamente, em relação as candidaturas femininas, cuja participação já é ínfima e não supera sequer 35% do total de candidaturas no país, pois, conforme estudo realizado pelo TSE, na eleição de 2018 o Brasil teve apenas 32% de candidaturas femininas (considerando as indeferidas, inaptas e deferidas) e 68% de candidaturas masculinas.
Como justificativa a tal propositura, a Deputada Federal alega que a ausência de interesse das mulheres em participarem da política no Brasil afeta a segurança jurídica dos partidos políticos, pois, supostamente precisam implorar para que mulheres aceitem se candidatar, correndo o risco de eventuais desistências no curso do processo eleitoral e, consequentemente, impugnação da chapa.
No entanto, evidente que a solução proposta pela Deputada evidencia o descaso de todos os subscritores do projeto em relação à participação feminina na política, pois ao invés de propor iniciativas que fomentem a formação política, o preparo para participação em uma campanha e a viabilidade de ingresso, principalmente em relação ao fundo de financiamento, entendeu como melhor forma de resolver o problema a extinção da obrigação partidária, cuja conquista já possui mais de 20 anos.
Transferir a culpa para a mulher de algo que é exclusivamente dos partidos políticos, bem como da história patriarcal do país, é um grave desrespeito às conquistas alcançadas, pois se mesmo com esse mecanismo a participação feminina em cargos eletivos ainda é muito reduzida, extingui-lo será fomentar o retrocesso à participação feminina na política.
A despeito de não acreditarmos no êxito desse Projeto de Lei, é importante que a sociedade civil esteja atenta, de modo a impedir que os avanços conquistados pelas mulheres sejam suprimidos. De sua parte, o Comitê de Diversidade e Responsabilidade Social do escritório Innocenti Advogados acompanhará cuidadosamente o Projeto de Lei em referência.