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Se empresa quebra por causa do coronavírus, pode pagar menos na demissão?

Se uma empresa não conseguir sobreviver à crise causada pela pandemia de coronavírus e fechar as portas, poderá alegar motivo de força maior e reduzir suas obrigações trabalhistas com os funcionários.

Nesse caso, a empresa ainda teria que pagar normalmente os eventuais salários atrasados. Mas a lei permite que ela pague só metade da multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) à qual o empregado demitido sem justa causa teria direito. Para alguns especialistas, outras verbas rescisórias também poderiam ser reduzidas pela metade, como férias e adicional de férias. Mas há divergências sobre isso.

“Há controvérsia quanto ao fato de a redução abranger apenas a multa de 40% incidente sobre os depósitos fundiários [FGTS]”, disse o advogado Bruno Régis, do escritório Urbano Vitalino Advogados. “Entendo que se aplica às verbas rescisórias como um todo.”

Para o advogado Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, professor da PUC-SP e doutor em direito do trabalho, a redução de 50% vale só para a multa do FGTS: “Nunca sobre a totalidade das verbas rescisórias”, afirmou.

Redução apenas da indenização de 40% do FGTS

Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, professor do departamento de Direito do Trabalho da USP, explica que a norma que permite a redução por motivo de força maior é o artigo 502 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Segundo ele, o artigo se refere à indenização para empregados que têm estabilidade no emprego. “Essa figura [emprego estável] não existe mais, é um resíduo da CLT. Essa indenização foi substituída, ao longo dos anos, pela multa indenizatória do FGTS. Portanto, a metade autorizada pela figura da força maior, quando pertinente, refere-se à metade dos 40% dos depósitos devidos do FGTS. Ou seja, de 40% para 20%”, afirmou.

Modelo antigo de indenização

Paulo Sergio João, professor de Direito do Trabalho da PUC e FGV, concorda. “O artigo refere-se a um modelo antigo de indenização, que era de indenizar o trabalhador com uma remuneração por ano de trabalho. O FGTS substituiu isso.”

Para Freitas Júnior, não faz sentido a redução ser aplicada a todas as verbas rescisórias, já que nelas podem estar incluídas também valores já conquistados pelo empregado pelo tempo de trabalho que ele já desempenhou e sem relação direta com a dispensa. É o caso de férias já adquiridas e ainda não gozadas e 13º proporcional.

“Tecnicamente, férias não gozadas e 13º proporcional não deixam de ser uma forma de indenização, mas o desconto de 50% para o empregador pela dispensa imotivada de um funcionário deve incidir somente nos 40% dos depósitos devidos do FGTS”, declarou.

Lei não fala de todas as verbas

O advogado Marcelo Mascaro Nascimento, sócio de Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista, ressalta a importância desse artigo da CLT em um momento de crise como o atual. Ele também entende que a redução só se aplica à multa do FGTS.

“Diante desse cenário, é importante atentar para o fato de que o artigo 502 da CLT não prevê expressamente a redução pela metade de todas as verbas devidas na extinção do contrato de emprego. O que o referido artigo dispõe é que o empregador deve efetuar o pagamento de uma indenização pela metade. Essa indenização está relacionada ao FGTS.

Redução de todas as verbas rescisórias

O advogado Mário Inácio Ferreira Filho, especialista em micro e pequenas empresas da IF Assessoria Empresarial, tem uma interpretação mais ampla do artigo 502 da CLT.

“O artigo prevê que, se a empresa fechar as portas devido a motivos de força maior, como é o caso da pandemia do coronavírus, ela pagará o equivalente a 50% do valor a que o empregado teria direito de receber”, disse. Isso incluiria outras verbas rescisórias no cálculo da redução.

Empresário tem de provar causas do fechamento

Para seguir a lei, o empregador tem de comprovar na Justiça do Trabalho que o fechamento da empresa deve-se exclusivamente às consequências da pandemia.

Outras situações consideradas de força maior são, por exemplo, quando incêndios ou alagamentos obrigam a empresa a fechar as portas definitivamente, disse Ferreira Filho.

Grávidas e outras exceções

A demissão com o pagamento de metade das verbas rescisórias valeria para todos os funcionários, com exceção dos que tiverem alguma estabilidade, como grávidas e profissionais que retornaram de afastamento por acidente de trabalho.

“Os funcionários que tiverem alguma estabilidade irão perder o direito a essa estabilidade e poderão ser demitidos também, mas sua rescisão deverá ser paga no valor integral”, afirmou.

Empregados com contrato de trabalho com prazo determinado, como os que estão em período de experiência, também estão sujeitos à redução da indenização.

Em que situações alegar força maior?

A advogada Fernanda Perregil, sócia e responsável pela área trabalhista no escritório Innocenti Advogados Associados, afirma que não basta a empresa passar por uma crise para ter o direito de reduzir as verbas rescisórias.

Segundo ela, muitas decisões da Justiça do Trabalho consideram que dificuldades financeiras não são, por si só, motivo de força maior. “Mas a crise advinda do coronavírus pode ser considerada um motivo de força maior e possibilitar a aplicação desse artigo”, declarou.

Calamidade comprova força maior, diz advogado

Para o advogado Bruno Régis, a medida provisória 927 reconhece o estado de força maior e, consequentemente, passou a permitir a aplicação do artigo 502 da CLT. A MP flexibilizou regras trabalhistas, permitindo, por exemplo, que as empresas adiantem férias dos trabalhadores.

“Nunca existiu um caso com essa magnitude, que atinge todos os empregadores brasileiros. O artigo não é novo, mas a MP deu eficácia à aplicabilidade geral desse dispositivo”, afirmou.

MP não pode decretar força maior, afirma outro profissional

Freitas Júnior, porém, diz que a MP 927 não poderia ser utilizada para alegar motivo de força maior.

“Não é uma medida provisória, uma lei ou um decreto que caracterizam a hipótese de força maior. Ela se caracteriza pelas circunstâncias concretas enfrentadas por cada empresa, que, não podendo mais honrar com seus compromissos, precisa encerrar definitivamente suas atividades e dispensar os funcionários. Mas não é toda e qualquer empresa, indistintamente, que pode se socorrer da figura de força maior para isso. Embora a calamidade seja generalizada, a força maior depende de cada caso”, declarou.

Guilherme Feliciano, também professor do departamento de Direito do Trabalho da USP e juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), com sede em Campinas (SP), afirmou que a pandemia do coronavírus pode ser considerada força maior, mas isso tem de ser reconhecido judicialmente.

“O empregador deverá alegar em juízo, diante de uma reclamação trabalhista que o ex-funcionário apresente, que agiu numa circunstância de força maior, por uma abrupta queda de demanda”, afirmou Feliciano, ex-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

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