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Pagamento de precatórios pode ajudar no combate a crise do coronavírus

Governo federal e governadores têm defendido a prorrogação do pagamento de precatórios; a medida, no entanto, ampliaria a crise econômica e deixaria milhares de idosos desassistidos

Diante da pandemia do coronavírus, os governos federal e estaduais estão empenhados em aprovar no Congresso Nacional nova Proposta de Emenda Constitucional (PEC), com a máxima urgência, suspendendo a exigibilidade do pagamento dos precatórios, inclusive dos débitos da União, o que atingiria em cheio justamente o grupo de risco do CODIV-19, qual seja as pessoas idosas, com mais de sessenta anos de idade, que constituem a grande maioria dos credores de precatórios.

Cabe esclarecer inicialmente que não se duvida que as administrações públicas estejam mesmo preocupadas com os efeitos sociais da pandemia, assim como com os gastos que exigirão as despesas extraordinárias do orçamento da saúde nos próximos meses, num cenário econômico pós-depressão, com vários estados já mergulhados em crise fiscal. Claro que as preocupações dos gestores públicos são justificadas, pois precisam ampliar de forma consistente a capacidade de atendimento da população compatível com a proporção alarmante que o surto pode alcançar, evitando que o SUS entre o colapso.

Mas será mesmo necessário suspender o pagamento dos precatórios?

Desde 2015, com o advento da Lei Complementar 151, grande parte dos Estados não vem despendendo um centavo sequer dos recursos orçamentários na liquidação de precatórios, utilizando-se exclusivamente da transferência de recursos obtidos com o levantamento dos depósitos judiciais administrados pelos tribunais de justiça. É o caso, por exemplo, do governo do Estado de São Paulo. A possibilidade de utilização dos depósitos foi ainda ampliada pela Emenda Constitucional 94/2016, de forma que, mesmo os Estados que já estavam em crise fiscal antes do coronavírus, vinha conseguindo garantir o cumprimento do prazo para quitação total do estoque de débitos em atraso até final de 2024.

A utilização dos depósitos judiciais para o pagamento de precatórios foi ratificada em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (MC-ADI 5.679) e recentemente disciplinada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução 303/2019, inclusive desobrigando os entes devedores de retirar do orçamento público recursos quando podem ser cobertos com a utilização desses mesmos depósitos judiciais.

Ora, se os precatórios já não vêm mesmo sendo pagos com recursos orçamentários pelo menos nos últimos cinco anos, qual o impacto no orçamento dos Estados que justifique a suspensão do pagamento dos débitos judiciais, prejudicando quase meio milhão de idosos por todo o país? Obviamente nenhum.

Por outro lado, a ideia do governo federal de pegar uma carona na nova PEC e suprimir o pagamento dos precatórios que deveria feito em 2020, suspendendo-o até final de 2021, deixará na mão dezenas de milhares de cidadãos, entre eles 49.681 idosos, 1.379 portadores de deficiência e 533 doentes graves, que esperam receber nos próximos meses aproximadamente R$ 7 bilhões em créditos alimentares, especialmente de natureza previdenciária, justamente no momento em que mais precisam para enfrentar os desafios de saúde e econômicos que lhes impõe o COVID-19, como integrantes do grupo de risco.

Essa moratória tem efeito direto sobre o mercado internacional de títulos públicos. Afinal, se o Tesouro Nacional deixa de pagar sua dívida judicial de natureza alimentar até mesmo aos idosos, que mais precisam no momento de proteção e cuidados contra a pandemia do coronavírus, por qual razão o mercado financeiro internacional deveria confiar que os títulos da dívida brasileira, tão importantes para o país financiar a implementação dos programas e projetos governamentais, serão honrados? Essa percepção terá efeito particularmente desastroso para o Brasil, justamente em um momento tão particular na vida das pessoas e das empresas brasileiras, aprofundando a crise.

É evidente que as autoridades públicas brasileiras precisam fazer ajustes orçamentários para enfrentar os desafios que o COVID-19 impõe, assim como vêm fazendo todas as nações submetidas ao regime democrático de direito. Mas restringir o cumprimento de obrigações estatais que não oneram o orçamento público e têm forte desempenho social e financeiro perante os cidadãos mais idosos (como o pagamento dos precatórios estaduais com depósitos judiciais), assim como medidas que elevam a percepção de risco do país junto à comunidade financeira internacional, colocando em moratória a dívida pública judicial federal, amplificarão, no Brasil, os desastrosos efeitos econômicos já esperados com o coronavírus.

Dessa forma, é preciso que essa PEC, atualmente em gestação no Ministério da Economia, seja imediatamente revista, e ao contrário de suprimir direitos do grupo de risco da população, amplie os mecanismos para facilitar e até mesmo antecipar o pagamento dos precatórios, que certamente muito ajudarão no combate à crise causada pela COVID-19.

Texto completo da PEC proposta aqui: PEC – Precatórios

 

Marco Antonio Innocenti

[email protected]

Presidente da Comissão de Precatórios do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) e ex-presidente da Comissão de Precatórios da OAB nacional (gestões 2013/2016 e 2016/2019)

Artigo divulgado no jornal: O Estado de S.Paulo (2/4/2020)

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