Visibilidade trans e direito ao uso do nome social nas relações de trabalho
Apesar da Constituição Federal Brasileira assegurar a garantia de direitos como da igualdade e da não discriminação a toda e qualquer cidadã ou cidadão, independente de orientação sexual ou identidade de gênero, dados disponibilizados por organizações internacionais apontam o Brasil como sendo um dos países com os maiores índices de discriminação e violência contra pessoas LGBTQIA+ no mundo.
Segundo os dados, as inúmeras violações de direitos englobam privacidade, liberdade e dignidade. Neste contexto, está incluído o direito ao uso do nome social e ao reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais dentro das relações de trabalho.
Importante lembrar que, além de ser signatário de diversas normas internacionais relativas a direitos humanos e ao enfrentamento das discriminações – incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU/1948), Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (OEA/1948), a Convenção n. 111 e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – em 28 de abril de 2016 foi editado o Decreto n. 8.727, no âmbito da Administração Pública Federal direta, Autárquica e Fundacional, dispondo sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero.
Seguindo o reconhecimento da necessidade de disposições específicas para esta população, em agosto de 2020 foi realizado um acordo entre o Ministério da Economia e a Defensoria Pública da União, visando possibilitar que as pessoas travestis e transexuais tenham garantido o direito ao uso do nome social na Carteira de trabalho (com o novo modelo de Carteira de Trabalho digital).
Mesmo com alguns avanços, o direito ao uso do nome social nas relações de trabalho sob a perspectiva da iniciativa privada ainda é bem limitado, começando pelo fato de não existir legislação específica amparando esta questão. Porém é importante lembrar dos citados princípios constitucionais e da Lei 9.029/95 que deveriam ser respeitados e, neste sentido, já garantiriam o respeito ao uso do nome social para estas pessoas.
Uma pesquisa latinoamericana sobre assédio, violência e discriminação à diversidade sexual no local de trabalho demonstrou que 32,3% das pessoas não declararam sua orientação sexual e identidade de gênero no ambiente de trabalho, o que reforça a necessidade de políticas inclusivas e programas de diversidade sexual dentro do mundo corporativo.
Os ambientes de trabalho devem ser lugares inclusivos que estimulam o respeito à pluralidade e às particularidades das pessoas. Por isso, as empresas devem se preocupar com uma cultura organizacional antidiscriminatória. Especialmente, porque a legislação trabalhista estabelece que os empregadores possuem a responsabilidade de resguardar a saúde e a segurança dos trabalhadores dentro destes espaços, incluindo aqui o combate às discriminações que impactam a saúde mental dos grupos historicamente minorizados.
A Justiça do Trabalho tem reconhecido o direito ao uso do nome social, levando em consideração, inclusive, a existência de assédio moral ou dano moral pela privação deste direito, já que o empregado ou a empregada ficam expostos a situações vexatórias e humilhantes no seu dia a dia de trabalho.
Motivos que contribuem para que as empresas entendam a necessidade de criar Códigos de Ética e Políticas Internas que respeitem a utilização do nome social das pessoas travestis e transexuais em qualquer meio de identificação e comunicação internos – como sistemas de intranet, ramal, crachá, endereços de e-mail e outros documentos.
Além disso, vale lembrar que o Brasil é signatário dos Princípios de Yogyakarta, que tratam da aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, incluindo o direito ao trabalho: “Toda pessoa tem o direito ao trabalho digno e produtivo, a condições de trabalho justas e favoráveis e à proteção contra o desemprego, sem discriminação por motivo de orientação sexual ou identidade de gênero”.
E foi baseando-se em tudo isso, que a Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho – Coordigualdade do MPT – emitiu a nota técnica 02/2020 definindo diretrizes para a atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa de direitos da população LGBTQIA+ nos ambientes de trabalho.
Assim, o Ministério Público do Trabalho recomenda que às empresas, órgãos públicos, empregadores (pessoas físicas e jurídicas) e sindicatos, de todos os setores econômicos ou entidades sem fins lucrativos, sigam os princípios ali elencados – mitigação ou neutralização de riscos psicossociais, nome social, uso do banheiro de acordo com a identidade de gênero, compatibilidade das responsabilidades profissionais e familiares, enfrentamento à violência e assédio sexual, violência doméstica – em suas ações internas.
Conforme se vê, a temática envolve o resguardo da dignidade e da personalidade destas pessoas, na medida em que lhe seja proporcionado um ambiente de trabalho respeitoso, saudável e seguro, e principalmente que este ambiente se distancie por completo dos contextos sociais discriminatórios.
É preciso lembrar também que a cultura organizacional reflete o propósito de uma empresa, sendo que uma estratégia de longo prazo não sobrevive sem um propósito bem definido, dentro daquilo que a empresa oferece ou devolve para a sociedade como parte de sua responsabilidade social. Assim, nada mais lógico que isso comece dentro do seu ambiente interno por meio de um tratamento digno oferecido aos seus colaboradores.
Luanda é advogada e palestrante; coordenadora do Me Too Brasil; presidenta da Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ABMLBTI; secretária Geral da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP; e diretora tesoureira do Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero – GADvS.
Fernanda é advogada e palestrante. No ano de 2019 foi reconhecida pelo Diretório Internacional Chambers and Partners como uma das pioneiras em diversidade e inclusão na área jurídica em toda a América Latina. É coordendora do Núcleo de Mulheres LBT´s e Gênero da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP; vice-presidenta da Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ABMLBTI; e integrante da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.